19 março, 2007

Um Amor Possível, Sim Senhores


Quando foi lançado nos cinemas eu não assisti. Explico: fujo de aglomerações. O percurso até um shopping em que o filme, objeto do meu desejo, estiver passando e pelo horário em que terei disponibilidade de ir, acaba sendo uma viagem. Sem contar nas voltas dentro do estacionamento tentando arrumar uma vaga, as filas para o ingresso, pipoca e "xixi".

Eu sou muito preguiçosa. Prefiro ir aos museus, pinacotecas e outros lugares menos estressantes. E depois, o filme sai em video e não tem nada como se esparramar no conforto para assistir ao tão desejado filme.

Vão dizer:"Mas no cinema o filme assume outras proporções."

Concordo, mas não tem o controle remoto para pausar naquela cena que você amou, ou para o famoso "xixi" que sempre acontece nessas horas, pra pipoca sem estress e desfalque no bolso, não tem como voltar atrás pra entender melhor o que aconteceu naquela parte em que estivemos meio desatentos por causa de algum desconforto. Não dá pra você passar uma tarde inteira reprisando quando amou o filme.
Chega de lenga-lenga.

Hoje quero falar de Brokeback Mountain. Não por causa dos últimos acontecimentos, já o tinha selecionado para isso. O filme tem mesmo dimensão de tragédia grega, como disse Jabor num texto que li tempos atrás.

O conto de Annie Proulx, Brokeback Mountain, começa com Ennis del Mar (no filme Heath Ledger), já velho, acordando num trailer ainda mais miserável do que o do filme, de onde tem que sair porque terminou o trabalho temporário dele num rancho de criação de cavalos, sem saber se vai conseguir outro trabalho. Mas ele está impregnado (suffused) de prazer porque Jack (o personagem de Jake Gyllenhaal) estava no sonho dele.

No fim do conto, depois de toda a tragédia, quando Ennis pendura num prego, ao lado da foto da montanha onde eles se conheceram e foram felizes, o cabide com as camisas dele e de Jack, uma dentro da outra, sendo a dele por cima da de Jack, o inverso de como ele as tinha encontrado na casa dos pais do amante, escondidas no quarto dele por mais de 20 anos, é que ele (Jack) começa a aparecer nos sonhos de Ennis.

Essa cena é lúdica, o abraço cheio de ternura e amor eternizados na simples sobreposição das peças. Nem preciso dizer, chorei aos soluços e em total desamparo.

Voltando ao conto, o Jack que ele tinha visto pela primeira vez, com 18 anos, de cabelos encaracolados e um sorriso dentuço (Jack não se parece nada com o bonitão Jake Gyllenhal: é baixinho, gordinho e meio feioso). Depois que começou a sonhar com Jack, Ennis "acordava às vezes triste, às vezes com a antiga sensação de felicidade e gozo; o travesseiro às vezes molhado, às vezes os lençóis".

E a escritora conclui: "Havia um espaço aberto entre o que ele sabia e o que ele tentava acreditar, mas nada podia ser feito quanto a isso, e quando não tem conserto o jeito é aguentar".

Do jeito que Annie Proulx termina o conto, trazendo a história para a dimensão simples, cotidiana, do sonho, do travesseiro e dos lençóis molhados, da saudade triste e prazeirosa, ela faz do amor de Ennis e Jack algo que qualquer um de nós pode viver. E vive.

Como falar de um assunto tão espinhoso sem levantar bandeiras ou parecer antiquado?

A resposta: não há como. É praticamente IMPOSSÍVEL assistir a "Brokeback Mountain" com um olhar imparcial e sem ver sua opinião refletir-se em seu próprio posicionamento acerca do homossexualismo, um tema que ainda representa um tabu enorme quando tratado publicamente, mesmo numa época tão liberal como a que vivemos.

Pré-julgamentos e opiniões pessoais à parte, se você não concorda com o tema, melhor não assistir, e ponto final. Por outro lado, se você não liga para rotulações e não está nem aí para o que cada um faz de sua vida, como eu, resta apenas aproveitar o que "Brokeback Mountain" realmente é: uma bela história de amor, e dane-se se o casal central é formado por dois homens.




Mas até que ponto este "pequeno detalhe" influi no resultado final do longa? Não influi de modo algum. "Brokeback Mountain" é incontestavelmente um GRANDE trabalho.

O enredo acompanha vinte anos da vida dos cowboys Ennis Del Mar (Heath Ledger, Os Irmãos Grimm) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal, Soldado Anônimo). Ennis, trabalhador rural, e Jack, vaqueiro de rodeio, são enviados pelo fazendeiro Aguirre (Randy Quaid) para trabalhar isolados no alto da montanha Brokeback, como pastores de ovelhas, durante o verão de 1963. O afastamento do resto do mundo aproxima os dois e a amizade nasce naturalmente. Em seguida, descobrem-se apaixonados um pelo outro.

Chega o final do verão e, com ele, o momento de cada um seguir seu caminho. Ennis mantém-se na pequena cidade de Wyoming, casa-se com sua namorada de infância Alma (Michelle Williams, a Jen de Dawson's Creek) e tem duas filhas. Jack vai para Texas, para realizar seu sonho de se tornar um grande cowboy de rodeio, e envolve-se com a riquinha Lureen Monroe (Anne Hathaway, O Diário da Princesa 2). Quatro anos depois, Ennis recebe um cartão-postal de Jack, que visitará Wyoming dentro de alguns dias. Com a chegada de Jack, os dois enfrentam o fato de que a distância só fortaleceu o amor que sentem um pelo outro. Conscientes de que vivem numa época e num lugar onde o homossexualismo é condenado à marginalidade, decidem continuar encontrando-se, escondidos, no mesmo palco de seu relacionamento passado: o alto da montanha Brokeback - por sinal, quase uma personagem, tamanha sua importância para os personagens e para a história.

Ang Lee é tão natural em seu trabalho que, em muitos momentos, o espectador esquece que são dois caras ali. Uma seqüência em especial, - o momento em que Jack Twist parte em sua pick-up e vê o reflexo de Ennis Del Mar, indo em direção contrária - , é de uma tristeza tão grande que poucos conseguirão sobreviver a ela sem sentir os olhos lacrimejar.

- Eu funguei e funguei, solucei e acabei com o Kleneex.

Ledger, está em seu auge no papel do bronco Ennis Del Mar, homem amargurado, descontente com sua situação e que jamais conseguirá aceitar para si mesmo sua condição de homossexual; e Williams, na minha humilde opinião, conseguiu a façanha de atropelar com um rolo compressor a atuação de Rachel Weisz, a melhor daquele ano.

A dupla de atores e a magnífica fotografia do mexicano Rodrigo Prieto já valem.


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O único porém foi a indecisão do roteiro em ousar ou não ousar no relacionamento de Ennis e Jack. Explico: o primeiro contato íntimo entre os dois é uma seqüência PESADÍSSIMA. A partir daí, as coisas ficam bem mais amenas, resumindo-se a um ou outro abraço e alguns "beijos" aparentemente forçados. Numa cena em especial, tive a impressão de que Jake Gyllenhaal encolheu a boca na hora de beijar...
Num trabalho deste naipe, ou o filme entrega-se por completo ou não se entrega. Não dá para ficar no meio-termo.

Ang Lee realizou um longa bonito, comedido, triste, absolutamente depressivo e, acima de tudo, IMPORTANTE. Para se assistir com o coração aberto, sem importar-se se o casal retratado na tela é gay, bissexual, lésbica, héterossexual ou qualquer outro rótulo. Talvez daqui a algum tempo, quem sabe, a intensa e comovente história de amor entre Ennis Del Mar e Jack Twist faça alguma diferença e ajude a eliminar de uma vez por todas este pré-conceito idiota que reina no nosso planeta. Como a apropriadíssima tagline que estampa o cartaz diz, o amor é nada mais do que uma força da natureza.

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Segredo de Brokeback Mountain, O

(Brokeback Mountain, 2005)


Gênero: Drama - Romance
Duração: 130 min
Origem: EUA
Estúdio: Focus Features
Direção: Ang Lee
Roteiro:DianaOssana,Larry McMurtry
Produção:DavidLinde,James Schamus

Site Oficial: Brokeback Mountain

Clips:
http://www.youtube.com/watch?v=ynxkMjeo1jA
http://www.youtube.com/watch?v=x68vJxc0pAM

Um comentário:

Anônimo disse...

a estátua paneleira fez uma ponta...era o amante secreto de Jack e a perola a ovelha que dá uma cagadinha em cena....

A bailarina