25 novembro, 2011

confia no teu coração...



"confia no teu coração
se os mares se incendeiam
(e vive pelo amor
embora as estrelas para trás andem)"
E. E. Cummings

19 novembro, 2011

Rosinha, minha canoa


Ganhei o livro quando tinha 8 anos porque a minha professora achava que eu precisava ler mais e falar menos pois assim me concentraria mais nas aulas e blá, blá, blás que encheriam páginas.

Confesso que na época o que me lembro do livro era de adormecer antes do segundo parágrafo e dos bilhetes que minha mãe recebia da professora que a deixavam muito zangada comigo. Ah, e das surras, disso eu lembro!

Anos depois, uma outra professora, que gostava das minhas redações e da forma como eu contava histórias me indicou alguns livros, entre eles: Rosinha, minha canoa.

Lembro foi nessa época que meu amor pela leitura começou a florescer de maneira singular. Um primeiro olhar inviesado, depois outro e se acontecesse o "clic" acabariamos por nos apaixonar (eu e os livros). Caso contrário, não passariamos de uma única leitura e ponto final no relacionamento.

Rosinha, minha canoa, foi e é amor para a vida toda. Tantas vezes lido e relido, para mim mesma e para meus filhos. É desses livros que todos deveriam ler, ao menos é a minha opinião.

Rosinha, meu amor!

"- AH! Dona Chuva, estou com tanto medo de nascer...
- Bobagem... Vamos, eu ajudo!
Sua angústia renasceu e sua voz saiu meio trémula:
- Mas eu não sei nascer...
Os dedos de Dona Chuva apalparam o dorso e pararam em determinado ponto.
- Deve ser aqui. A casca está bem fininha: vou amolecer mais e você fará também um esforço...
Não disse mais nada. Foi contendo a respiração. Mais e mais. E ainda mais. Sentia que ia estourar. Devia estar quase roxa de tanto esforço. Alguma coisa se lhe abalava por dentro; deviam ser os bracinhos da folha.
A chuva disse novamente:
- Tente outra vez.
Forçou o ar de dentro e uma grande dor a estremeceu.
Parecia que se rachava a casca, de alto abaixo. A ponta de um dos seus braços projectou-se para fora.
- Ai que dor!...Ui! Que frio!...
A chuva riu grosso:
- É assim mesmo. Agora o outro bracinho.
Foi puxando o outro braço da folha e dessa vez já não sentiu doer tanto. E, mesmo, a vida fora da casca assemelhava-se a uma nova aventura: sentiu, então, curiosa sensação.
(...)
- Viu minha filha? Não é assim tão difícil nascer.
- Mas dói um pouco...
Se não doesse, a vida não teria preço. Agora trate de caminhar. Você precisa sair, andar, perfurar a distância que existe até ao outro lado. E você não tem prática, vai levar todo o resto desta noite.
(...)

José Mauro de Vasconcelos

12 novembro, 2011

Spleen



Spleen

Quando o cinzento céu, como pesada tampa,
Carrega sobre nós, e nossa alma atormenta,
E a sua fria cor sobre a terra se estampa,
O dia transformado em noite pardacenta;

Quando se muda a terra em húmida enxovia
D'onde a Esperança, qual morcego espavorido,
Foge, roçando ao muro a sua asa sombria,
Com a cabeça a dar no tecto apodrecido;

Quando a chuva, caindo a cântaros, parece
D'uma prisão enorme os sinistros varões,
E em nossa mente em frebre a aranha fia e tece,
Com paciente labor, fantásticas visões,

- Ouve-se o bimbalhar dos sinos retumbantes,
Lançando para os céus um brado furibundo,
Como os doridos ais de espíritos errantes
Que a chorrar e a carpir se arrastam pelo mundo;

Soturnos funerais deslizam tristemente
Em minh'alma sombria. A sucumbida Esp'rança,
Lamenta-se, chorando; e a Angústia, cruelmente,
Seu negro pavilhão sobre os meus ombros lança!

Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães


O Spleen é um termo de origem inglesa que a literatura francesa incorporou no século XVIII para indicar uma sensação de fastio sem motivo.

Segundo estudo do português José Fernando Guimarães:

“Será que essa dor - nas palavras de Baudelaire, melancolia, desespero, spleen - deriva do olhar do poeta ou, pelo contrário, é intrínseca ao próprio tempo em que vive, em que sente, em que pensa?

Formulada assim, a questão torna-se falaciosa (capaz de interpretações onde pode predominar o psicologismo e/ou o historicismo) - quando, para mais, qualquer olhar artístico decorre, irremediavelmente, do seu tempo, é o seu tempo.

Coloque-se, então, a questão de outra maneira: será que tal presente foi capaz de marcar dolorosamente o olhar de Baudelaire? A resposta é, em toda a sua extensão, afirmativa.

É-o, por um lado, por causa da paixão pela sua mãe - uma paixão dolorosa, como qualquer paixão, mas, mesmo assim, constantemente espicaçada, reavivada pela palavra poética.

É-o, por outro lado, por causa de Poe - nele Baudelaire revê a sua biografia, pelo menos a axial (a família, sempre a família, com o cortejo de um pai ausente, da mãe desejada e da(s) amante(s), dolorosa teia capaz da mais feroz melancolia); tal como a partir dos textos de Poe (sobre a sua vida e obra escreveu um longo ensaio, para além de ter traduzido os seus contos), faz colagens, desidentifica-os para deles se apropriar, para os voltar a marcar, agora com a sua assinatura.”

Dead can dance







06 novembro, 2011

eu levo o seu coração comigo





e. e. cummings


eu levo o seu coração comigo (eu o levo no
meu coração) eu nunca estou sem ele (a qualquer lugar
que eu vá, meu bem, e o que que quer que seja feito
por mim somente é o que você faria, minha querida)

tenho medo

que a minha sina (pois você é a minha sina, minha doçura) eu não quero
nenhum mundo (pois bonita você é meu mundo, minha verdade)
e é você que é o que quer que seja o que a lua signifique
e você é qualquer coisa que um sol vai sempre cantar

aqui está o mais profundo segredo que ninguém sabe
(aqui é a raiz da raiz e o botão do botão
e o céu do céu de uma árvore chamada vida, que cresce
mais alto do que a alma possa esperar ou a mente possa esconder)
e isso é a maravilha que está mantendo as estrelas distantes

eu levo o seu coração (eu o levo no meu coração)


(Tradução: Regina Werneck)

A bailarina