10 maio, 2007

Les Enfants Terrible (1) - A.Spare

Dizem que a arte visionaria brota dos "íntimos refolhos assombrados da consciência", não nos surpreende que alguns artistas também sejam magos. Sua arte se torna uma espécie de invocação, um chamado uterino 'as energias arquetipicas a "presenças" que povoam a imaginação. Para esses artistas, as imagens que conjuram provêem uma espécie de espiada 'as profundas - e talvez mais ameaçadoras - realidades que se acotovelam alem dos limites de nossa consciência conhecida.

É mágico como artistas dessa estirpe nos "relembram" de potencialidades visionarias que filtram através do psíquico, como ecos do Grande Vazio. Os três artistas que vamos tratar aqui são exemplos exponenciais desses gênios criativos e excêntricos; artesãos visuais que, de alguma forma, conseguiram explorar estas realidades inomináveis, mantendo-se no contexto da cultura ocidental do século XX e, sobretudo, preservando a sua sanidade.

Os três podem ser considerados "marginais", ou alternativos. E somente um, o suíço H.R.Giger, conseguiu atrair considerável notoriedade do establishment, alem de ser o único ainda vivo: Austin Osman Spare morreu abandonado em Londres em 1956 e Rosaleen Norton - a Bruxa de King Cross - deixou esta vida em um hospício de Sidney, Austrália, em 1979.

Mas o que especificamente me desperta o interesse nestes três artistas? Penso que o trio comunga justamente o conceito de Arte como Magia, de artista como mago. Eles nos mostraram, através de suas imagens fantásticas, que o Universo realmente é misterioso, milagroso e 'às vezes, aterrorizante, e que a nossa consciência existe e transita em vários níveis. O artista-mago é, por definição, um avatar de diversos mundos paralelos.

O visionário do transe britânico Austin Osman Spare (1886-1956) nos legou exemplos intrigantes da fusão criativa da Magia com a Arte. Valendo-se de um sistema todo seu de encantamentos e sigilizaçoes (mandingas), ele era capaz de focar determinada e controladamente a sua consciência, que evocava energias primais poderosas de sua psique, na técnica que ele cunhou de ressurgencias atavistica.

Ele foi além dos conhecidos rituais práticos da Magia, a ponto de suas peças-de-arte representarem uma desapaixonada confrontação com o próprio Universo - ou, como ele próprio gostava de descrever o ato, "roubavam o fogo dos céus".

Inspirado nos deuses egípcios clássicos e também em sua ligação intima com uma velha bruxa chamada apenas de Sra. Paterson - e com uma entidade dos círculos interiores apelidada de Águia Negra - Spare evoluiu rapidamente de uma arte figurativa conhecida para um estilo inspirado de surrealismo mágico.

Admirado por Augustus John, George Bernard Shaw e John Sargent, ele foi considerado um prodígio artístico e foi logo depois contratado para ilustrar uma porção de livros expressivos, inclusive "Atrás do Véu", de Ethel Wheeler (1906) bem como um livro de aforismos intitulado "Lodo Queimado nas Estrelas" (1911).

No inicio dos anos 20 ele já o co-editor de O Golden Hind (Corça de Ouro), junto com Clifford Bax, estampando artigos de verdadeiros papas da cultura de então, como Aldous Huxley, Alex Waugh e Havelock Ellis.
Os desenhos de Spare para o jornal eram em sua maioria de mulheres nuas e suntuosas, apenas levemente insinuando todo o mundo mágico que já a inspirá-lo.

Se ele tivesse continuado no metier, trafegando meio aos círculos literários convencionais, certamente que se tornaria bem mais conhecido como artista - pelo menos ao nível de outro notado ilustrador, Edmund J.Sullivan, autor das imagens que embelezava O Rubaiyat de OmarKhayyam e cujo estilo gráfico assemelhava-se ao estilo inicial de Spare. Mas Spare já decidido a autopublicar seus escritos e desenhos, que lidavam com a exploração da consciência mágica. Na verdade, suas inclinações esotéricas o encaminharam mesmo foi para longe do mainstream cultural.

Sua cosmologia é, mas instrutiva. Ele acreditava na reencarnação e afirmava categoricamente
que todas as suas pretéritas vidas, sejam humanas ou a, estiveram igualmente imersas na mente subconsciente.

O propósito místico do homem seria justamente rastrear todas essas existências ate´ a sua fonte primal, e isto poderia ser feito num estado de transe, no qual estaria se sujeito a ser possuído pelos atavismos de algumas dessas vidas.

Para Spare, lembranças e até impressões de encarnações previas bem como todos os impulsos míticos, podiam ser despertados da mente subconsciente:" Todos os deuses já na Terra, sendo nos próprios" - escreveu - " e quando mortos, suas experiências, ou Karma, comandam nossas
ações em parte".

O artista aprendeu sua técnica de atavismo ressurgente da Sra. Paterson, que por sua vez creditava uma ligação intima com o Culto das Bruxas de Salem.

Ele também começou a fazer "desenhos automáticos" em transe, através da mediunidade de uma manifestada presença que ele chamava de Águia Negra e que tomava a forma de um índio americano.

Sua concepção de mulher sem uma forma fixa, finita, lhe era de grande apelo – e a Deusa Universal era, acima de tudo, um aspecto central de sua cosmologia mágica. E não abria mão de sua crença de que essa deusa não podia ser limitada nem cultural nem miticamente e nem

também nomeada como Astarte, Isis, Cybele, Kali, Nuit, já que, em assim procedendo, estaríamos desviando-nos do “caminho” e, idealizar um conceito tão sagrado seria falso porquanto incompleto, irreal porquanto temporal.

Spare usou diversas técnicas para entrar em estados de transe; algumas vezes, a exaustão absoluta, como um meio para lhe “abrir o estado de vácuo total”; outras, o orgasmo, para atingir a mesma espécie de êxtase místico.

Acreditava que a sigilizaçao, a mandinga, representando um ato de vontade consciente, podia ser plantada como uma semente na mente subconsciente durante estes estados de pico do êxtase, momentos especiais quando o ego e o espírito universal se fundem: “Nesse momento, o qual ocorre à geração do Grande Desejo “ – escreveu – “ a inspiração flui livremente da fonte do sexo da deusa primordial , que existe no coração da matéria...a inspiração vem sempre do grande momento do vazio”.

Diversos dos desenhos mágicos de Spare exibem a Dama Divina guiando o artista pelo labiríntico mundo da magia. Um dos seus mais importantes e singulares trabalhos, “ A Ascensão do Ego do Êxtase ao Êxtase” – o qual foi incluso em sua obra-prima autopublicada , “O Livro dos Prazeres”, em 1913 – mostra a Deusa dando as boas vindas ao próprio artista que, na ocasião, era apropriadamente provido de asas brotadas de sua cabeça. Seu ego, ou identidade pessoal, e´ mostrada emergindo na forma de uma encarnação primal animalesca e as duas formas transcendem a si mesmas conjuradas numa caveira atávica – união com Kia.

Em outro trabalho igualmente importante , “Agora pela Realidade”, a Dama aparece novamente, levantando o véu que revela a misteriosa realidade alem. No primeiro plano, pululam todas formas de criatura – uma coruja, um rato do mato, um diabo com chifres – mas, claramente, a realidade está alem, nas regiões inferiores reveladas pela Deusa.

Indubitavelmente, um dos principais intentos de Spare ao usar os seus transes era liberar energias as quais ele acreditava serem a fonte de genialidade. E ele próprio comentava “ êxtase, inspiração, intuição e sonho...cada estado destampa memórias latentes e as apresenta na imagética de suas respectivas linguagens”. O gênio, de acordo com ele, era justamente experimentar diretamente o “atavismo ressurgente” durante “o êxtase da Serpente de Fogo do Kundalini.

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A bailarina