20 abril, 2007

Fome e sede de viver...

Fome de Viver (The Hunger, 1983), é um filme de terror onde não existe um vampirismo explícito, a palavra “vampiro” sequer é pronunciada no filme, paira no ar um clima de pavor sem palavras, os diálogos são curtos e simples, dizem muito menos do que querem dizer, e fazem gelar apenas com gestos, cores.

Não existem castelos, capas e
dentões sobressalentes. Os chupadores de sangue do filme são pessoas comuns, que andam a luz do dia e cravam um punhal egípcio em forma de crucifixo na jugular de suas vítimas.

A produção do filme é sofisticada, os vampiros são charmosos e refinados, tocam música clássica, têm figurino impecável e matam com muito estilo.

Vampiros e humanos são raças distintas, mas uma pessoa normal pode ter sua vida prolongada se dividi-la com uma dessas criaturas. Depois de séculos, humanos comuns esbarram num limite natural e em algumas horas envelhecem o que nãoenvelheceram em anos.

A abertura do filme é pincelada em um clima obscuro, curtos trechos em silêncio, gritos e grunhidos. A música que toca é um dos elementos que dão ênfase à narrativa, o baixo soturno de Bela Lugosi is Dead, do Bauhaus, cujo vocalista Peter Murphy se contorce para a câmera enquanto a canta numa boate nova-iorquina, onde o casal,seduz mais uma vítima.

O filme todo se dá ao som das obras de Sebastian Bach,
Delibes e Schubert, dando a cada cena um toque mais
profundo de
mistério, erotismo, terror e poesia.

Miriam é uma vampira egípcia que existência em algum momento de sua seduziu e transformou em um semelhante o nobre inglês John (David Bowie). Nem tudo é eterno na vida do casal. Agora, séculos depois , John começa a envelhecer, e o tempo corre contra ele.

Para a vampira este é apenas

mais um dos seus seduzidos,
a quem é ela deverá substituir assim

que chegar a hora. Ela não se livra de seus ex-amados,
todos são mantidos no sót
ão de sua mansão em Nova York.

Após ser procurada por John, Sarah(Susan Sarandon), pesquisadora que estuda os efeitos do relógio biológico, faz uma visita ao apartamento de Miriam com o objetivo de avaliar a degeneração física dele.
A vampira diz que John viajou para longe, despistando-a. Aqui seus olhares novamente se entrecruzam despertando desejo e luxúria. Miriam e Sarah, após uma conversa amena, entregam-se sem resistência.

A cena mais envolvente do filme acontece entre beijos e carícias
envoltas numa atmosfera de prazer entre duas lindas mulheres que buscam novas emoções. Cortinas esvoaçando ao som da ópera Lakme de Delibes, com o trecho Flower Duet dando o toque final na mais clássica cena de lesbianismo vampírico do cinema. Percebemos nitidamente que o vampirismo foi usado como uma metáfora para dar enlace a uma atitude sexual de forte impacto às próprias paixões e aspirações humanas.

A fome de viver aperta o indivíduo, que se vê impelido a buscar e dar continuidade à vida através do sangue. Sarah é contaminada e passa a depender de sangue humano para se manter viva. Sem entender as transformações que estão ocorrendo em seu organismo, entra depressão com dores, angústias, febres, suores frios, medo e por fim, uma estranha sede...

Na seqüência do filme, Sarah desentende-se com Miriam e acaba ficando enclausurada num quarto do elegante apartamento decorado com peças de arte grega e romana, alimentando-se de sangue... As cenas finais são compostas por espectros, caveiras, corpos em decomposição e vampiros, vítimas que haviam sido enclausuradas em caixões no sótão do apartamento.

Um John completamente decrépito surge novamente, um vento forte dá movimento às longas cortinas dando inicio ao pesadelo, ouvem-se gritos desesperados e a luta pela sobrevivência.

Miriam precipita-se do alto do sótão e cai a pique estourando todos os ossos de seu corpo. Os espectros começam a decompor-se até se tornarem cinzas. A beleza da vampira vai se esvaindo dando lugar à horrenda caveira que tem o aspecto roxo da própria morte...

O filme vai acaba embalado na sonata para violino e piano de Franz Schubert, remetendo de volta a beleza e poesia que foram o pano de fundo de todo o filme.

Agora Sarah é a herdeira da maldição de Miriam, a mais bela mulher vampiro que o cinema já
produziu...

Na época de seu lançamento, em 1983, o filme foi um fracasso de bilheteria, mas, com o passar dos anos, se tornou uma obra cult sobre vampiros.
Tudo nele marcou época: a ambientação, uma mistura de chique, decadente e macabro, edição bem feita, cenas lentas e bem montadas, câmera lenta usada com maestria, fotografia e maquiagem excelentes e o início do uso de clichês - cortinas esvoaçando, pombos voando em cenas lúdicas - que hoje em dia são tão comuns.


Cenas inesquecíveis

. Deneuve subindo as escadas da mansão levando o corpo do Bowie no colo,

Close na bunda do Bowie quando ele toma um chuveiro com a Deneuve,
. O mata-fome da Deneuve e da Sarandon. Sem comentários,
. O visual perfeito de lady Drácula que fizeram para a Deneuve - em especial o batom vermelho perfeitamente delineado.
. O envelhecimento de Sir John Bowie através dos efeitos de maquiagem,
Figurino impecável...
Bem, eu nunca vou deixar de gostar desse filme...

Fome de Viver (The Hunger, Inglaterra, 1983). MGM, 100 minutos
Direção: Tony Scott
Roteiro: James Costigan, Ivan Davis
Elenco: Catherine Deneuve (Miriam Blaylock); David Bowie (John Blaylock); Susan Sarandon (Sarah Roberts); Cliff De Young (Tom Haver); Beth Ehlers (Alice Cavender); Dan Hedaya (Lieutenant Allegrezza); Rufus Collins (Charlie Humphries); Suzanne Bertish (Phyllis)

Lembrando:
E para quem gosta de filmes sobre vampiros, o filme Drácula, estrelando como ator principal Frank Langella, lançado no ano de 1979, é uma das melhores adaptações do romance de Bram Stoker.

Não existe a crueldade, o mistério vai sendo tecido através da postura e das palavras, e ele, Drácula, no fundo da alma, é o vampiro demônio sedutor e cruel.
E sem mostrar explicitamente caninos afiados é um excelente filme de terror que não dá pra ver sozinho, nem a luz do dia!



Trailler


O encontro...

Matando a fome...

Bauhaus


"The Flower Duet" from Lakme,
Dessay and Maurus perform

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A bailarina