01 março, 2007

O Apanhador no Campo de Centeio

Reconheço que quando leio me envolvo profunda e emocionalmente com a leitura em questão; como se houvesse uma espécie de simbiose ou uma introspeção entre eu e o livro. Assim ,por exemplo, já fiquei angustiada quando li Werther; me entristeci quando li Imitação de Cristo; entrei em depressão com A Náusea e quase regurgitei em Ensaio Sobre a Cegueira. Talvez isto tudo seja apenas um sintoma de minha paixão pela literatura ou quem sabe uma neurose. Que importa ? Isso me faz mais bem do que mal !

Esta declaração serviu como um justificado preâmbulo para que ficasse esclarecida que a impressão que O Apanhador no Campo de Centeio me causou não fosse mera obra do acaso ou um efeito extemporâneo, aleatório e efêmero.

Enfim , quero que seja explícito o fato de que todas as obras que já li exigiram de mim certa cumplicidade e esta de que falarei não foi diferente, no entanto, uma névoa especial e peculiar me envolveu quando findei a leitura.

A mais conhecida obra de Jerome Salinger (J.D. Salinger) — The Catcher in the Rye , que no Brasil teve o título O Apanhador no Campo de Centeio — tornou-se afamada, não obstante a sua inquestionável qualidade literária, quando Mark Chapman , o assassino de John Lennon, se disse inspirado na obra para cometer o assassínio.

Elevado ao status de Best Seller , a obra se tornou leitura obrigatória nas escolas de toda a Europa. Em Portugal — onde a obra tomou o título de Agulha no Palheiro — foi adotado como livro didático durante anos, até que , recentemente, foi censurado e banido do país, o mesmo acontecendo com o resto da Europa onde hoje a obra é tida como maldita.

A enredo básico é banal : Um adolescente que se nega a entrar no mundo adulto e em torno do qual sucedem fatos que caracterizam com perfeição o adolescente em busca de uma humanidade que acaba por descobrir inexistente. A origem do título do livro e ainda para muitos a chave para o entendimento do conteúdo, está quase no final da obra quando o protagonista , o adolescente Holden Caufield, revela que seu desejo era estar a beira de um precipício que margeia um campo de centeio aonde brincam milhares de crianças, e sua função seria impedir que as crianças caíssem para o fim. A interpretação é óbvia : Além de negar-se ele próprio a crescer, ele também desejaria evitar que qualquer outra criança pudesse fazê-lo.

O encanto do livro não está só na áurea de mistério que o envolve , mas na brilhante linguagem utilizada. Não há a criação artificial de um tipo idiossincraticamente adolescente. Há sim uma descrição perfeita, real, quase biográfica dos trejeitos, da indignação, da revolta , da ilogicidade e da linguagem adolescente. Talvez por esse motivo a obra tenha sido alijada de quase toda a Europa, porque ali se encontra espelhado o universo juvenil, o que pode muito bem ser traduzido pelos adolescentes como justificativas às muitas atitudes "politicamente incorretas" por eles cometidas.

Por exemplo, existe uma passagem do livro em que Holden Caulfield se diz um covarde, incapaz de entrar em uma briga corpo-a-corpo, embora , em contrapartida, se declare capaz de partir a cabeça de um inimigo com um machado.

Pode parecer mentira, mas eu também já fui uma adolescente normal, bem, quase normal. Lutei contra causas que não existiam e ataquei moinhos de vento como Quixote. Assim, lendo Salinger, regressei aos idos tempos púberes e me vi no papel do personagem central da peça como se tivesse sido sugada para um tempo em que todos nós passamos por aventuras similares , mas que acreditamos terem sido individuais e únicas.

Excetuados os elementos técnicos, a Identificação com a nossa história particular é a principal impressão que a obra causa.

Não há mais que se possa dizer sobre The Catcher, além de recomendar sua leitura. Pelo simples fato de que cada livro conta uma história e a mesma história, do mesmo livro, é apreciada de diferentes formas por cada um de seus leitores. Os livros, todos eles, são como caleidoscópios que dependem do ponto de observação. Isto significa que não temos controle sobre um livro. As opiniões sobre ele podem ser conduzidas pela nossa orientação e conhecimentos prévios, mas jamais poderemos planejar ou antever o resultado de uma leitura. Esta "rebeldia" dos livros contra a imperiosa necessidade humana de domínio é , justamente, o que torna a literatura tão fascinante.

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